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Segurança, Defesa e Geopolítica

Afinal, o que é terrorismo?

Por Redação DefconBR, em 11 de janeiro de 2023.

Por mais incrível que possa parecer ao leitor menos afeito ao tema, o conceito de terrorismo, da forma como entendemos hoje, é uma invenção da revolução francesa. Exatamente: os libertários de 1789 foram os inventores modernos do medo como ferramenta de controle de um grupo social. O detalhe especial deste terror, la terreur, como o chamavam, é que não foi aplicado quando tentavam derrubar o ancient regime, mas exatamente quando tomaram o poder. Aqueles revolucionários que tinham como lema igualdade, legalidade e fraternidade inventaram, de fato, o terrorismo de estado.

Passada a euforia com a tomada da bastilha e a prisão de Luís XVI, os revolucionários passaram a tratar das questões de estado. Se propunham, por exemplo, a combater a fome, oferecendo diariamente pão à população. Como é bastante comum na substituição de um sistema sócio-econômico por outro, uma série de lacunas de planejamento – se é que havia algum além de derrubar a realeza – e fragilidades governamentais vieram a aflorar e causar inevitável insatisfação.

Como defesa de seu próprio governo, Maximilien Robespierre implantou um sistema de denúncias que se banalizou de tal forma que, além de integrantes do antigo regime, pessoas simples do povo foram levadas à guilhotina por, simplesmente, reclamarem da falta do pão distribuído pelo estado. No período do Terror, de 1792 a 1794, mais de 40 mil pessoas foram levadas á guilhotina. Robespierre assim definia a política deliberadamente implantada por ele: terror nada mais é que justiça rápida, rigorosa e inflexível.

O conceito da revolução francesa foi copiado por outros grupos revolucionários, a partir daí no sentido inverso, de um grupo do povo contra o estado. E os atentados terroristas se tornaram o modus operandi por excelência de grupos insurgentes por todo o mundo.

Datam de 1885 os primeiros atentados à bomba no metrô de Londres, denominados A Campanha Dinamite, perpetrados pela Irmandande Republicana Irlandesa, antecessora do IRA, o Exército Republicano Irlandês. Ao longo de mais de um século de combate às ações separatistas dos irlandeses, a Inglaterra cunhou sua definição do que vem a ser terrorismo como “o uso da ameaça, com o propósito de avançar uma causa política, religiosa ou ideológica, de ação que envolve violência séria contra qualquer pessoa ou propriedade

Nos Estados Unidos, cada agência tem sua própria definição de terrorismo, adequada à missão que deve cumprir.

O USS Cole era um destroyer da marinha americana estacionado em outubro de 2000 para reabastecimento no porto de Áden, no Iêmen. Dois pescadores locais se aproximaram em um pequeno barco, acenando aos sentinelas. O pesqueiro explodiu junto ao costado matando 17 tripulantes, além dos 2 suicidas, e ferindo 39 outros. A autoria do atentado foi assumida por uma rede terrorista até então ausente das manchetes: Al-Qaeda.

O Departamento de Defesa dos EUA (DoD) classificou o ataque ao USS Cole como terrorismo: “o calculado uso da violência ou da ameaça de sua utilização para inculcar medo, com a intenção de coagir ou intimidar governos ou sociedades, a fim de conseguir objetivos, geralmente políticos, religiosos ou ideológicos“. Para o Departamento de Estado norte-americano, entretanto, o atentado não seria classificado como terrorista, uma vez que se dirigiu a militares, alvos combatentes. Na definição do DoD: “Terrorismo é a violência premeditada, politicamente motivada perpetrada contra alvos não combatentes por grupos subnacionais ou agentes clandestinos”. Já para o Federal Bureau of Investigations (FBI), mais preocupado com os atentados internos, como o ocorrido no Edifício Alfred P. Murray em Oklahoma, no ano de 1995, terrorismo é “ o uso ilegal da força ou violência contra pessoas ou propriedades para intimidar ou coagir um governo, uma população civil ou qualquer segmento dela, em apoio a objetivos políticos ou sociais”

O atentado às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001 foi o evento que impactou o mundo de forma absoluta. Em 2002, com a poeira das torres ainda fazendo sombra sobre o ocidente, dois Projetos de Lei foram encaminhados à Câmara dos Deputados no Brasil.

O Ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, encaminhou o PL 6.762 que acrescentava à Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.428, de 7 de dezembro de 1940, o Título XII, que tratava dos crimes contra o estado democrático de direito, da seguinte forma:

Terrorismo

Art. 371. Praticar, por motivo de facciosismo político ou religioso, com o fim de infundir terror, ato de:

I – devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens; ou II – apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, de meios de comunicação ao público ou de transporte, portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da população.

O PL 6.762/2002 não foi aprovado.

O então Deputado Robson Tuma também apresentou o Projeto de Lei nº 7175/2002 que propunha a tipificação do crime de terrorismo da seguinte forma:

Art. 1º Constitui crime de terrorismo toda ação ou omissão individual ou coletiva, dirigida contra Agentes Políticos, servidores, particulares, meio ambiente, patrimônio, tendentes a causar insegurança, pavor ou dano, físico, moral ou psicológico, com a finalidade de obter vantagens ou coagir autoridade ou particulares a praticar, deixar de praticar ou deixar que se pratiquem atos, com a finalidade de subverter a ordem política constituída ou perseguir ideologia diferente desta.”

Propunha também a caracterização do terrorismo como crime hediondo, alterando o parágrafo único da Lei nº 8072, de 25 de julho de1990, que passaria a vigorar com a seguinte redação:

Art. 1º ……

Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio, previsto nos artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 2º de outubro de 1956, tentado ou consumado e o crime de terrorismo consumado ou tentado“.

A classificação do terrorismo como crime hediondo ensejou, por parte do relator da CCJ, Deputado Luis Eduardo Greenhalg, um parecer onde alegava que a própria Lei de Segurança Nacional tratava de forma mais branda os chamados crimes de terrorismo. Ponderava o relator quanto à desnecessidade e inconveniência de tratar o terrorismo como crime hediondo uma vez que o artigo 5º da CF assim dispunha:

Art. 5º ……. XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;”

Considerou o Deputado Greenhalg que a redação da Carta Magna, da forma com que se apresentava, distinguia o terrorismo dos chamados crimes hediondos e portanto não cabia a equiparação do terrorismo com os demais crimes previstos na Lei 8.072/90, chamada Lei dos Crimes Hediondos.

Votou, então, o Relator pela rejeição no mérito do PL 7175/02.

“Após dois anos de discussões, o Ministério da Justiça e a Casa Civil optaram por desidratar a proposta inicial. O receio do governo é que ações do Movimento dos Sem-Terra (MST) por exemplo, viessem a ser caracterizados como atos terroristas.” Jornal Estado de São Paulo, 29 de novembro de 2007.

Acuado pelos compromissos internacionais com o combate ao terrorismo e à lavagem de dinheiro e depois de inúmeros projetos de lei arquivados no Congresso Nacional, o Brasil finalmente regulamentou através da Lei 13.260/2016 o inciso XLIII do art. 5° da Constituição Federal estabelecendo um conceito para terrorismo e estabelecendo disposições investigatórias e processuais da seguinte forma:

Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

O texto é um espanto conceitual que restringe o ato terrorista àqueles motivados apenas por questões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. Nas inúmeras agências de segurança de todo o mundo, os conceitos de terrorismo possuem maior ou menor abrangência, mas apenas o Brasil excluiu a motivação política de suas razões.

O objetivo é claro e de conhecimento de todos os analistas: a proteção aos chamados movimentos sociais organizados, em sua maioria de inspiração marxista e vários com suspeita de ligações com organizações terroristas estrangeiras. Segundo a lei, o disposto no artigo 2° não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais.

Não há no Brasil, após a edição da lei 13.260/2016, crime de terrorismo motivado politicamente!