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Segurança, Defesa e Geopolítica

Os Riscos da Liderança de Putin

Por Carlos Kwasinski,

Correio da Manhã – Rio de Janeiro, 24 de março de 2022

“Fale diretamente!”. A reprimenda do Presidente Wladmir Putin em Sergei Naryshkin, chefe do escritório de inteligência estrangeira, durante a videoconferência do Conselho de Segurança Presidencial que discutiu o reconhecimento da independência das repúblicas de Donetsk e Luhansk, correu o mundo como evidência do relacionamento do Presidente russo com seu staff de assessores mais próximos. A mera menção aos acordos de Minsk, uma série de pactos firmados entre Rússia e Ucrânia para evitar uma gerra na região de Donbass, foi o suficiente para Putin extrair uma retratação em cadeia nacional de
televisão de um gaguejante Naryshkin.

O fato chamou a atenção de especialistas em liderança de todo o mundo. A pesquisadora do Center for a New American Security, Andrea Kendall-Taylor, em entrevista ao canal de podcast DeepState Radio, aponta as incongruências deste tipo de liderança: “Sob a União Soviética, você tinha um partido. Era uma forma mais consensual de tomada de decisão. Na Rússia de Putin, hoje, está claro que é apenas um homem. Nós assistimos na reunião do Conselho de Segurança nacional, este tipo de exibição onde ele cerca as pessoas e as faz concordar com suas decisões. Está claro que não existe em seu cículo mais
próximo quem possa contê-lo. Não há quem eu veja como podendo apresentar alguma informação que seja contraditória à visão de mundo dele. E isso é perigoso!”

Para além de outras análises estratégicas sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia em 25 de fevereiro, os efeitos do estilo de liderança de Wladmir Putin sobre a Rússia são um fator a ser analisado no longo prazo. A autocracia do líder russo pode estar funcionando de forma efetiva por mais de 20 anos dentro de seu próprio país, com membros de seu staff e com os cidadãos subordinados a seu governo. Mas no concerto das relações internacionais, onde o realismo prevalece, Putin deve estar fadado a fracassar.

É inimaginável que o General Dwight Eisenhower, no comando do Quartel General Supremo das Forças Expedicionárias Aliadas durante a Segunda Guerra Mundial, viesse a destratar seu Chefe de Staff, o General Walter Bedell “Beetle” Smith, responsável pelo briefing diário de nada menos que o Comando Naval Aliado, o Comando-em-Chefe Aéreo, a Secretaria, o Staff Geral e cinco Divisões G: pessoal, inteligência, operações, logística e operações civis-militares. No capítulo Duties and Responsabilities de seu livro The Supreme Commander – The War Years odf Dwight D. Eisenhower, o historiador Stephen
E. Ambrose destaca que as firmes decisões de Eisenhower eram suportadas pela confiança no trabalho de homens como o Tenente General Sir Humfrey Myddelton Gale, Lieutenant General Sir Frederick Edgworth Morgan, General Sir John Francis Martin Whiteley, Lieutenant General Harold Roe “Pink” Bull e o Major-General Sir Kenneth William Dobson Strong: quatro ingleses e apenas um norte-americano.

Crescido nos subúrbios de Leningrado, Putin entrou para os quadros da extinta KGB em 1975, aos 22 anos. Ao longo de sua carreira na inteligência russa, Putin teve a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN em sua carteira de monitoramento e análise, o que o leva a ter uma percepção solidificada da Aliança. Testemunha da queda da União Soviética e escolhido por Boris Yeltsin como seu sucessor em 1998, Putin tem governado a Rússia desde então, apenas interrompido pelos 4 anos de presidência do liberal Dimitri Medvedev de 2008 a 2012 . Ao longo deste tempo vem gradativamente se cercando de assessores relutantes em contrariá-lo, substituindo antigos aliados como o Chefe da Administração Presidencial, Serguei Ivanov, por oficiais mais jovens em um movimento de reforço de sua liderança.

“Você eventualmente acaba em uma armadilha, porque seu círculo mais próximo tenta lhe repassar apenas as boas notícias e aquelas que se adequam à sua visão. Imagine Putin discutindo a guerra na Ucrânia com seus generais – eles vão reagir de forma arrebatadora, “Sim, nós podemos!” ninguém vai contestá-lo, afirmou ao Financial Times Tatiana Stanovaya, fundadora da empresa de análises R.Politik.

É o que apontam estudiosos de liderança, como Archie Brown, scholar da Universidade de Oxford. Líderes que se orgulham de sua força podem ser tentados a intervenções militares em outros países por conta do respeito que a liderança militar inspira, levando entretanto o país a guerras desnecessárias cujos custos superam os benefícios.

Os conflitos fazem parte do processo decisório, mas não podem se transformar em uma fragilidade que supere as forças do projeto que se propõe a cumprir. O Marechal de Campo, Lorde Alan Brooke,presidente do Comitê dos Chefes de Gabinete, cujo estilo absolutamente sóbrio contrastava com o caráter mais impetuoso de Chuchill foi o responsável pelo cancelamento dos planos de Churchill para um ataque aos Balcãs em 1943 e à Sumatra em 1944. Apesar disso, Churchill nunca desautorizou seu principal conselheiro militar, criando uma relação de confiança. E “confiança é a moeda corrente para criar a harmonia, a velocidade e o espírito de equipe para alcançar o sucesso”, afirma o ex-Comandante do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, Jim Mattis em sua obra sobre liderança “Call Sign CHAOS”.

A parte visível dessa cadeia de comando contaminada pela falta de confiança pode ser medida pela deserção expressiva de recrutas russos e a autosabotagem e abandono de veículos aerotransportados BDM-4M e outros equipamentos mais sofisticados como o Sistema Móvel de Artilharia Antiaérea PANTSIR pelas estradas da Ucrânia.

Dada a disparidade de forças entre os exércitos russo e ucraniano, ainda é cedo para afirmar se a resistência ucraniana baseada no voluntariado e na vontade do povo serão suficientes para derrotar um exército regular, ainda que composto de conscritos em grande parte desmotivados, com aparentes problemas de logística e de operações. Mas o fio que liga a alta liderança ao soldado na frente de batalha vai ser decisivo nesta como em outras guerras.

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