MARINHA DO BRASIL – 200 ANOS DA CAMPANHA DA INDEPENDÊNCIA
O Poder Naval foi fator preponderante no processo de consolidação da independência do Brasil, maior e mais importante território colonial ultramarino de Portugal. Com séculos de luta contra as invasões francesa e holandesa, e de expansão dos limites territoriais, a força naval colonial se tornou a mais bem estruturada força militar do novo país.
Com o aprofundamento da crise entre o então Reino do Brasil e Portugal, o único caminho viável para consolidar a Independência em todo o território era através do mar. Para José Bonifácio de Andrada e Silva, então Ministro da Secretaria de Estado do Interior e dos Negócios Estrangeiros do governo do Príncipe Regente, somente a rápida organização de uma Marinha Imperial, dotada de navios de guerra bem armados, poderia impedir a chegada de reforços portugueses ao Brasil e, ao mesmo tempo, dar combate às tropas portuguesas no litoral, transportando soldados e suprimentos em apoio à luta pela independência em terra.
A relevância atribuída por José Bonifácio à formação de uma Esquadra – um conjunto de navios de guerra sob comando unificado – se mostrou bastante acertada pelo fato de que os principais núcleos populacionais do Brasil se situavam no litoral, isolados da capital do novo Império por uma rede de estradas e caminhos absolutamente precários. A organização de uma força naval eficaz, que funcionaria como garantidora da emancipação do novo país, se apresentava como necessidade premente para assegurar a consolidação da Independência e a manutenção da unidade territorial do Brasil.
A incorporação dos navios portugueses deixados nos portos nacionais foi uma das primeiras ações tomadas para o estabelecimento da nova Marinha Imperial. Entre estes estavam as Fragatas União (rebatizada, posteriormente, como Piranga) e Real Carolina (rebatizada, Paraguaçu), além das Corvetas Maria da Glória e Liberal, navios da Armada Real portuguesa que permaneceram no Brasil sob o controle de Dom Pedro. Em seguida, logo em outubro de 1822, foi nomeado para a cadeira de Ministro da Marinha do Brasil Independente, o então Capitão de Mar e Guerra Luís da Cunha Moreira, brasileiro nato e futuro Visconde de Cabo Frio.
O mau estado de conservação de muitos desse navios foi suprido pelo trabalho do Arsenal de Marinha da Corte, atual Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro. Ali, a Nau Martin de Freitas foi recuperada, vindo a se tornar o navio capitânia da nova Esquadra rebatizada como Pedro I. A Fragata Sucesso e o Brigue Reino Unido também foram reparados e rebatizados, respectivamente, Niterói e Cacique. E o governo imperial adquiriu ainda alguns navios, como os Brigues Maipu e Nightingale, rebatizados Caboclo e Guarani, nesta ordem.
Com poucos brasileiros natos nos corpos de oficiais e praças, a solução foi a contratação de europeus, especialmente britânicos, haja vista a desmobilização das forças militares europeias com o fim das Guerras Napoleônicas. O General Francisco Felisberto Caldeira Brant Pontes de Oliveira Horta foi então incumbido de organizar o recrutamento de marinheiros na Europa. Em março de 1823, assumiu o comando em chefe da Esquadra brasileira, Thomas Cochrane, oficial de Marinha britânico que acabara de deixar o comando da Marinha do Chile, também engajada numa guerra de emancipação.
As ações militares para a consolidação da Independência tiveram início nas regiões onde os portugueses possuíam as guarnições mais reforçadas. A resistência mais forte estava em Salvador, na Bahia, onde existia grande concentração de tropas sob o comando do Brigadeiro Inácio Luís de Madeira de Melo e uma poderosa Força Naval comandada pelo Chefe de Divisão João Félix Pereira de Campos.
Apesar disso, as forças brasileiras, sob o comando do General Pierre Labatut, conseguiram cercar a cidade, enquanto o Patrão-Mor, Segundo-Tenente João Francisco de Oliveira Botas, estabelecido na Ilha de Itaparica, comandava uma flotilha que fustigava as embarcações que abasteciam Salvador, contribuindo para o isolamento daquela capital.
A 1º de abril de 1823, a Esquadra brasileira, já sob o comando do Primeiro Almirante Thomas Cochrane, embarcado na Nau Pedro I, deixava a Baía de Guanabara com o objetivo de estabelecer o bloqueio naval de Salvador. O primeiro combate aos navios portugueses, em 4 de maio, anunciava-se como promissor graças a uma ousada manobra de Cochrane, mas terminou desfavorável aos brasileiros, que foram obrigados a recuar. O bloqueio naval foi retomado no dia 13 de maio, após a chegada de reforços de novos marinheiros estrangeiros.
Pressionados pelo desabastecimento, as tropas de Madeira de Melo abandonaram Salvador em 2 de julho, em um comboio de aproximadamente 70 embarcações escoltadas pelos navios de Félix de Campos. A Esquadra foi então incumbida de perseguir o comboio português para capturar o maior número de navios, tropas e equipamentos militares, além de impedir que desembarcassem em outras localidades do território brasileiro. O acompanhamento dos navios portugueses durou alguns dias, porém, logo Cochrane incumbiu o Capitão de Fragata John Taylor, no comando da Fragata Niterói, de seguir com a perseguição. A Niterói seguiu os portugueses até as proximidades da foz do Rio Tejo, quando foi informado sobre a chegada dos navios remanescentes da Força Naval de Félix de Campos a Lisboa. Ao fim da missão, a Fragata Niterói havia capturado de cerca de dois mil soldados e mais de uma dezena de navios.
O jovem “Tamandaré” nas lutas pela Independência
Nascido em 13 de dezembro de 1807, em Rio Grande (RS), aos 15 anos de idade Joaquim Marques Lisboa iniciou sua trajetória na Marinha do Brasil ao apresentar-se como voluntário, em 1823, durante as lutas pela Independência.
Ainda muito jovem, a bordo da Fragata Niterói, sob o comando do Capitão de Fragata John Taylor, o futuro Marquês de Tamandaré participou dos combates na costa da Bahia e do bloqueio a Salvador, contra as forças de mar portuguesas comandadas pelo Chefe de Divisão Félix de Campos.
Ainda nesse cenário, tomou parte também da histórica perseguição empreendida pela Fragata Niterói ao comboio português que seguiu para Portugal após abandonar Salvador.
Em 1824, Joaquim Marques Lisboa foi matriculado na Academia Imperial de Marinha. Já experimentado em combate, foi convocado pelo Comandante em Chefe da Esquadra brasileira, o Primeiro Almirante Thomas Cochrane, para participar da campanha contra a Confederação do Equador. Mesmo não tendo concluído o curso de formação profissional daquela Academia, a experiência em combate acumulada na Guerra de Independência e nas posteriores campanhas da Confederação do Equador e da Cisplatina contribuiu sobremaneira para a formação pessoal e militar-naval daquele que seria considerado o maior marinheiro do Brasil.
A adesão das províncias do Norte e Cisplatina
Após submeter Salvador, o governo brasileiro direcionou suas forças para outras províncias do Norte e a Cisplatina. No Maranhão, onde uma Junta Governativa se mantinha leal a Portugal e a cidade de São Luís estava sitiada por tropas favoráveis à Independência, Cochrane, utilizando-se de um hábil ardil, informou ao comandante das tropas portuguesas que a Nau Pedro I estava estabelecendo um bloqueio à cidade e que seria a ponta de lança de uma grande Força Naval que viria próxima, transportando um grande contingente militar. Uma inteligente manobra para levar à deposição da Junta Governativa e submeter o Maranhão, o que, de fato, ocorreu em 27 de julho de 1823.
Por ordem de Cochrane, a mesma estratégia foi adotada no Pará, para onde foi enviado o Capitão-Tenente John Pascoe Grenfell, ao comando do Brigue Maranhão, com cartas do Primeiro Almirante comunicando à Junta Governativa a adesão do Maranhão à Independência e o bloqueio naval a Belém. Em 15 de agosto de 1823, a Província do Pará também declarava sua adesão ao Império.
Na Província Cisplatina, último reduto da resistência portuguesa, com a cidade de Montevidéu cercada por tropas leais ao Imperador, ainda em março de 1823 as Forças Navais brasileiras, sob o comando do Capitão de Mar e Guerra Pedro Antônio Nunes, já bloqueavam a cidade.
Após a tentativa fracassada da Força Naval portuguesa em romper o bloqueio naval brasileiro, o desabastecimento provocado pelo cerco resultou na rendição do efetivo português, em 18 de novembro de 1823, e a consequente evacuação de todo contingente português do território brasileiro.
A Marinha do Brasil no pós-Independência
Desde as Guerras de Independência até a atualidade, a Marinha do Brasil tem figurado como instituição essencial para o país. Atuando de modo decisivo em alguns dos principais episódios de nossa história, com destaque para a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A Marinha do Brasil na Guerra da Tríplice Aliança: a Batalha Naval do Riachuelo.
No contexto da Guerra da Tríplice Aliança, quando Brasil, Argentina e Uruguai aliaram-se para enfrentar as forças paraguaias de Francisco Solano López, a Esquadra brasileira figurou como elemento fundamental para o triunfo aliado. Nesse quadro, a vitória da força naval brasileira, sob o comando do Chefe de Divisão Francisco Manoel Barroso da Silva, na Batalha Naval do Riachuelo, travada no Rio Paraná, foi decisiva. Além de, praticamente, aniquilar a Marinha paraguaia, o controle daquele rio, conquistado após a vitória, comprometeu seriamente o abastecimento e a logística das tropas de Solano López.
A coragem de Barroso, ao lançar a Fragata Amazonas, sua capitânia, contra os navios paraguaios para colocá-los a pique, e sua arrojada convocação às tripulações brasileiras a combater o mais próximo possível dos inimigos, a fim de anular a vantagem dos canhões paraguaios postados nas margens, levaram à vitória brasileira. Assim como os incontáveis atos de bravura e heroísmo observados naquele combate, como o sacrifício do Imperial Marinheiro Marcílio Dias, mortalmente ferido em combate contra quatro oponentes no convés da Corveta Parnaíba.
A Marinha do Brasil na Primeira Guerra Mundial: a Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG).
Adotando um posicionamento de neutralidade no quadro de beligerância que se estabeleceu no continente europeu a partir de 1914, somente em outubro de 1917 o Brasil passou ao estado de guerra contra o Império Alemão, após o afundamento de 4 navios mercantes brasileiros por submarinos alemães.
Coube à Marinha do Brasil o preparo e envio de uma Divisão Naval para atuar junto às Marinhas aliadas que combatiam nas costas da África e no Mediterrâneo. Sob o comando do Contra-Almirante Pedro Max Fernando de Frontin, em 1º de agosto de 1918 a DNOG deixou as águas de Fernando de Noronha rumo a Freetown, em Serra Leoa. Mesmo duramente atingida pela gripe espanhola durante a passagem pelos portos africanos de Freetown e Dakar, que vitimou cerca de 10% das tripulações, cumpriu seu papel, apoiando as forças de mar aliadas até o armistício, em novembro de 1918.
A Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
No contexto das hostilidades que se estabeleceram entre as potências europeias a partir de 1939, o Brasil manteve uma postura de neutralidade até agosto de 1942, quando, diante dos diversos torpedeamentos de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães, inclusive em águas nacionais, o Brasil declarou guerra à Alemanha e a Itália. Nesse quadro, além de escoltar os navios que transportaram a Força Expedicionária Brasileira (FEB) para o front europeu, a missão da Marinha do Brasil foi patrulhar o Atlântico Sul e proteger os comboios de navios mercantes que trafegavam entre o Mar do Caribe e o litoral sul brasileiro contra a ação dos submarinos e navios germânicos e italianos.
Para adequar-se à situação do conflito, foi então necessário um rápido e intenso processo de preparo de material e pessoal e, em especial, de reorganização das Forças Navais. Foi nesse quadro que se deu a criação da Força Naval do Nordeste, em outubro de 1942, cujos navios constituíram a Força-Tarefa 46 da 4ª Esquadra da Marinha dos Estados Unidos da América. Durante todo o conflito os navios da Marinha do Brasil comboiaram 3.164 navios, entre nacionais e estrangeiros, em um total de 575 comboios.
Preponderante para a manutenção da integridade territorial e para a própria consolidação do processo de Independência do Brasil, o Poder Naval foi elemento de significativa importância em um período marcado por constantes ameaças aos interesses brasileiros.
Em condições de atuar com mobilidade e flexibilidade em um curto espaço de tempo, a nascente Esquadra brasileira cumpriu sua missão de consolidar a Independência, promulgada em 7 de setembro de 1822, mantendo a soberania brasileira sobre todo o território.
A Marinha, por meio de sua Esquadra, foi, e continua sendo, capaz de negar o uso do mar às Forças Navais inimigas e proteger as linhas de comunicação marítimas que interligam os diferentes pontos do nosso extenso litoral com o exterior, permitindo o trânsito seguro dos navios mercantes responsáveis pela maior parcela do comércio internacional brasileiro.
Fiel à memória da Esquadra da Independência, a Marinha do Brasil se mantém nos dias de hoje assegurando a soberania sobre a “Amazônia Azul”, área de xxxxx km de responsabilidade , que abrange….., figurando como elemento essencial para a Defesa Nacional. Contribui também para o desenvolvimento do país por meio da produção de conhecimento científico e de tecnologias nacionais, além de atuar em diversas ações de caráter cívico e humanitário.
Do alvorecer da jovem nação independente até hoje, a invicta Marinha de Tamandaré e Marcílio Dias segue defendendo os interesses do Brasil e dos brasileiros.
Texto adaptado da apresentação MARINHA DO BRASIL – 200 ANOS DA CAMPANHA DA INDEPENDÊNCIA, promovido pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha – DPHDM.